Recentemente debrucei-me sobre a dinâmica de um hospital neste caso de uma maternidade e passaram por mim dois sentires diferentes da mesma realidade.
O primeiro diz respeito ao funcionamento das unidades sem parturientes. Verifiquei que as unidades neste contexto funcionam maravilhosamente bem. Os diferentes departamentos funcionam entre si sem problemas, as pessoas entendem-se bem, não há gritos, correrias ou outros estados de loucura afim, há tempo para ir ao bar e comprar uma revista da Caras® ou da Lux® (pareceu-me serem as mais consumidas), pode-se ouvir atrás da descontracção a necessidade de se ir comprar o que falta para o stock de casa estar completo. Enfim, tudo está perfeito, funcionando às mil maravilhas e não há conflitos institucionais.
O segundo surge quando, por força de uma determinação, entra uma parturiente. É então que tudo se modifica como se por ali passasse um tufão. Por força da obrigatoriedade de se proceder ao cumprimento das normas e actividades protocolarizadas (tricotomias, punções, clisteres de limpeza rectal, monitorização cardiotocográfica, colocar soros, etc.), todo o ambiente hospitalar e humor dos profissionais se modifica abruptamente (claro que nem todos entram de imediato neste estado de tensão e outros que se conseguem manter afastados durante todo o período laboral). Começa o curropio das pessoas, os decibéis das falas sobem significativamente, os apitos e alarmes disparam freneticamente como que ajudando à festa instalada repentinamente. Aumentam as necessidades das pessoas em saber de minuto a minuto como “está a situação, para depois saber o que fazer”, começam a emergir dos diferentes corredores magotes de pessoas para “fazer o que tem a fazer”, decifram-se os registos e diagnosticam-se patologias, caiem arrastadeira, ligam-se incubadoras (para prevenir qualquer coisa), os telefones estabelecem um combate feroz com os ouvidos de cada um dos participantes. A esgrima entre aqueles que se julgam ou querem ser mais importantes do que o outro inicia-se. Os umbiguistas reclamam territórios e a agitação acentua-se. Até que por fim na azáfama do parto, entre a decisão de uma ventosa ou de um fórceps, há que posicionar a “doente”, há que aconchegar o acompanhante num cadeirão, há que calar apitos e há que actuar. A agitação é enorme e todos se tentam posicionar o melhor possível no minúsculo espaço acotovelando-se em cima da parturiente, cada um dando a sua ordem como se aquela fosse determinante para o sucesso do nascimento.
Depois do bebé sair do ventre da mãe, há que cozer, limpar, enxugar tudo que por um acto de magia ficou envolto num mar misto de solutos e sangue. O bebé chora, é virado e revirado para ver se está tudo bem. Enfia tubo, tira tubo. Espetam-se agulhas. Põem-se gotas. Enxuga-se a cara, as pernas, o tórax, as costas e deixa-se debaixo da fonte de calor (para não perder calor).
Até a senhora sair para a unidade de puerperas, regista-se uma circulação de pessoas acompanhadas por amontoados de papéis, verificações das anotações, dos registos, dos dados obtidos, para não se perder nada (se por acaso for para tribunal temos que nos safar). Juntam-se todas as peças do puzzle e finalmente acomoda-se a senhora numa estreita maca e transfere-se rapidamente para a unidade de internamento porque a balbúrdia já foi muita. Há suspiros no ar, há testas luzidias como resposta à intensidade da luz do candeeiro cirúrgico que impiedosamente castigou aqueles vultos com o seu calor, há o cair de corpos esgotados num cadeirão.
O primeiro diz respeito ao funcionamento das unidades sem parturientes. Verifiquei que as unidades neste contexto funcionam maravilhosamente bem. Os diferentes departamentos funcionam entre si sem problemas, as pessoas entendem-se bem, não há gritos, correrias ou outros estados de loucura afim, há tempo para ir ao bar e comprar uma revista da Caras® ou da Lux® (pareceu-me serem as mais consumidas), pode-se ouvir atrás da descontracção a necessidade de se ir comprar o que falta para o stock de casa estar completo. Enfim, tudo está perfeito, funcionando às mil maravilhas e não há conflitos institucionais.
O segundo surge quando, por força de uma determinação, entra uma parturiente. É então que tudo se modifica como se por ali passasse um tufão. Por força da obrigatoriedade de se proceder ao cumprimento das normas e actividades protocolarizadas (tricotomias, punções, clisteres de limpeza rectal, monitorização cardiotocográfica, colocar soros, etc.), todo o ambiente hospitalar e humor dos profissionais se modifica abruptamente (claro que nem todos entram de imediato neste estado de tensão e outros que se conseguem manter afastados durante todo o período laboral). Começa o curropio das pessoas, os decibéis das falas sobem significativamente, os apitos e alarmes disparam freneticamente como que ajudando à festa instalada repentinamente. Aumentam as necessidades das pessoas em saber de minuto a minuto como “está a situação, para depois saber o que fazer”, começam a emergir dos diferentes corredores magotes de pessoas para “fazer o que tem a fazer”, decifram-se os registos e diagnosticam-se patologias, caiem arrastadeira, ligam-se incubadoras (para prevenir qualquer coisa), os telefones estabelecem um combate feroz com os ouvidos de cada um dos participantes. A esgrima entre aqueles que se julgam ou querem ser mais importantes do que o outro inicia-se. Os umbiguistas reclamam territórios e a agitação acentua-se. Até que por fim na azáfama do parto, entre a decisão de uma ventosa ou de um fórceps, há que posicionar a “doente”, há que aconchegar o acompanhante num cadeirão, há que calar apitos e há que actuar. A agitação é enorme e todos se tentam posicionar o melhor possível no minúsculo espaço acotovelando-se em cima da parturiente, cada um dando a sua ordem como se aquela fosse determinante para o sucesso do nascimento.
Depois do bebé sair do ventre da mãe, há que cozer, limpar, enxugar tudo que por um acto de magia ficou envolto num mar misto de solutos e sangue. O bebé chora, é virado e revirado para ver se está tudo bem. Enfia tubo, tira tubo. Espetam-se agulhas. Põem-se gotas. Enxuga-se a cara, as pernas, o tórax, as costas e deixa-se debaixo da fonte de calor (para não perder calor).
Até a senhora sair para a unidade de puerperas, regista-se uma circulação de pessoas acompanhadas por amontoados de papéis, verificações das anotações, dos registos, dos dados obtidos, para não se perder nada (se por acaso for para tribunal temos que nos safar). Juntam-se todas as peças do puzzle e finalmente acomoda-se a senhora numa estreita maca e transfere-se rapidamente para a unidade de internamento porque a balbúrdia já foi muita. Há suspiros no ar, há testas luzidias como resposta à intensidade da luz do candeeiro cirúrgico que impiedosamente castigou aqueles vultos com o seu calor, há o cair de corpos esgotados num cadeirão.
Ah! falta falar da mãe/mulher que acabou de ter um bebé. Mas é engraçado porque não me ocorre dizer nada sobre ela. Também verifiquei que ela não foi valorizada para este acontecimento que devia ser dela. Só vi imporem-lhe normas e procedimentos e importarem-se com ela, quando ela tinha o dever e a obrigação de satisfazer o ego e a vaidade de quem lhe fez o parto e daqueles, muitos, que assistiram aquele que lhe fez o parto. Do resto, não ouvi falar dela, nem dos seus medos, anseios e preocupações. Não me lembro de ver profissionais a falarem com ela com a delicadeza e sensibilidade que este momento requer, de saber o que é que ela precisa, de a esclarecerem devidamente dos prós e muitos contras que a tecnocracia hospitalar pode trazer ao nascimento do seu filho. Não me lembro de haver alguém a doular esta mulher, apesar de defenderem esta prática em congressos e reuniões cientificas.
Enfim. Posso então concluir, e desculpem-me esta extrema modéstia, que o problema para as maternidades funcionarem mal é da mulher que ali foi parir, porque se ela não estivesse ali, tudo e todos funcionavam perfeitamente, como me deu a entender pelo que vi. Dá que pensar não dá?