terça-feira, 26 de junho de 2007

A Indução

O avanço da medicina com a descoberta de novos fármacos, desenvolvimento de novos instrumentos, máquinas e acessórios para actos médicos associado à padronização dos valores fisiológicos em limites cada vez mais convergentes se permite por um lado a monitorização do estar, não permite desta forma uma margem de manobra para que as competências humanas se possam manifestar de forma a compensar certos e determinados desequilíbrios. É óbvio que no combate ao desenvolvimento galopante de uma qualquer doença na pessoa, os medicamentos são hoje ferramentas essenciais no apoio e suporte a essa luta. A questão põe-se e com alguma pertinência, penso eu, o porquê da utilização abusiva desses fármacos no estado de saúde? Hoje, o ritmo alucinante que a vida tem, associado à impossibilidade de se dar tempo ao tempo, o recurso ao medicamento é feito de forma mecânica e irreflectida no sentido do alivio rápido de alguma sintomatologia, assim como é utilizada de forma a prevenir as sequelas inerente ao stress imposto pelos ritmos modernos.
Não posso deixar passar também aqui o facto de que actualmente a indústria farmacêutica ocupa o terceiro lugar na escala da economia mundial, logo a seguir à indústria alimentar e energética e também é sabido que há necessidades instituídas pelos diversos estratos sócio-profissionais para que esta máquina poderosa continue activa e imparável (a quantidade de farmácias para venda de medicamentos livres de receita médica criadas na primeira metade de 2007, foram de 500 ), pelo que a criação de um estado pessoal com permanente medo da doença e do micróbio para além do pânico que se instala é importante na estratégia do medicamento-dependência.
Esta reflexão aborda a indução do trabalho de parto.
Penso ser oportuno, em primeiro lugar, recordar que a Organização Mundial de Saúde refere que a gravidez normal pode ir até às 42 semanas, inclusive, e que deve haver um extremo cuidado na utilização de medicamentos que possam interferir com o desenvolvimento normal de uma gravidez.
Por definição, indução do trabalho de parto é a estimulação e manutenção de actividade uterina, traduzida por contracções regulares e contínuas, e que tem como objectivo expulsar o conteúdo uterino fruto de uma concepção.
O desenvolvimento dos actuais indutores do parto resultaram do conhecimento da fisiologia humana e traduz a necessidade para a sua utilização em casos de extrema necessidade, isto é, quando há risco efectivo para a mãe, feto ou para ambos no decurso daquela gravidez. Situações como pré-eclâmpsia grave, eclâmpsia, hellp, atraso de crescimento intra-uterino grave ou severo, oligoâmnios severo entre outras situações, justificam de facto a utilização desta terapêutica.
Estes medicamentos têm a capacidade de estabelecerem um padrão de actividade uterina designada por contracções e que tem por objectivo antecipar o parto. Os indutores medicamentosos do trabalho de parto e parto dividem-se em duas grandes categorias: os de acção cervical (que actuam directamente no colo uterino) e os de acção miometrial (que actuam directamente no músculo uterino).
Os primeiros designados por prostaglandinas, tem a função de "amadurecimento" do colo uterino e assim torná-lo facilmente dilatável (melhorar, assim, o índice de Bishop). Não têm uma interferência directa no processo do trabalho de parto, mas faz com que o colo então amadurecido, possa dilatar com facilidade através da utilização dos indutores ocitócicos. Como nota complementar ao que foi referido, acredita-se, hoje, que o processo natural de desencadeamento das contracções uterinas, entre outros factores, se deve á acção das prostaglandinas humanas, que existem fundamentalmente no líquido amniótico, directamente no colo uterino, só assim se consegue explicar porque é que, na maioria das vezes, quando uma mulher tem a ruptura da bolsa amniótica, começa, algum tempo depois, com contracções uterinas e assim se desencadeia, naturalmente, o trabalho de parto.
Os segundos, ocitócicos puros, são medicamentos de síntese laboratorial que tem composição idêntica à da ocitocina, hormona libertada pela hipófise anterior. Tem a respectiva acção junto das fibras musculares do miométrio (músculo uterino) e assim acelerar ou manter aquilo que se designa por contracções uterinas.
Como já foi dito, este procedimento foi desenvolvido para dar resposta ás situações criticas da gravidez, quer sejam elas maternas, fetais ou de ambos. Agora, o que se passa nos dias actuais é que se faz um uso abusivo destes medicamentos e para situações que em nada tem a ver com situações patológicas ou criticas. Muitos dos critérios usados hoje, centram-se fundamentalmente para respeitar o tempo ou presença do médico, porque a mulher é de longe, por causa da programação de datas festivas ou férias, para se "evitarem" complicações e para dar resposta às exigências das mulheres/família (provavelmente mal informadas). Um outro argumento amplamente utilizado é por causa da dismaturidade (o mesmo que bebé velho, isto é, com mais tempo de gestação do que as 42 semanas), para prevenir ou evitar os problemas inerentes a esta situação, contudo verificam-se hoje induções, sem causa aparente, às 39, 38 e até 37 semanas, logo muito longe das 42.
O problema da indução do trabalho de parto e parto vai muito além do simples desencadear e manter as contracções uterinas, arrasta consigo ou desenvolve um conjunto de complicações materno-fetais que podem terminar com consequências gravíssimas para ambos. Este procedimento não é inócuo. Entre outras coisas, não permite que a mulher desenvolva os mecanismos normais, fisiológicos e antagonistas da dor (as endorfinas), obriga a vigilância contínua e necessita a monitorização permanente através do registo cardiotocográfico para se controlarem os problemas associados com o uso destas drogas, por exemplo, a taquissistolia uterina (mais contracções por unidade de tempo do que as que normalmente se verifica), a hipertonia uterina (mais tempo de duração da contracção por unidade de tempo do que normalmente se verifica), a ruptura uterina (rompimento espontâneo da parede uterina por consequência das contracções fortes e contínuas) e o descolamento da placenta (por mecanismo idêntico ao da ruptura).
Num processo de indução de trabalho de parto são desencadeadas e mantidas dores brutais na mulher, muito acima do potencial normal e capacidade de resistência, criando-se assim, facilmente, uma situação de desespero que vai além do simples facto de ter contracções. Se este processo for combinado, isto é, a utilização dos dois medicamentos indutores, por fases, onde primeiramente são colocadas as prostaglandinas cervicais, para amadurecimento do colo, e depois os ocitócicos para as contracções uterinas, pode-se dizer que estamos perante um processo altamente agressivo e desumano para o estar daquela díade, mãe/feto. Daqui se percebe o porquê da mulher suplicar para que seja feito o bloqueio analgésico através da epidural, no fundo, é já uma "necessidade" daquela mulher que deve ser satisfeita. Consequentemente, a epidural, como processo bloqueador, interfere nas capacidades maternas o que pode levar, assim, a outras complicações extremamente graves que já foram referidas em reflexão anterior.
Voltando ainda às consequências da indução, verifica-se na maior parte das vezes aquilo que é designado por inversão de polaridade. Isto é, num processo de trabalho de parto e parto natural a frequência das contracções situam-se em intervalos mais ou menos regulares de 5 minutos, com a duração da própria contracção a não ultrapassar, em média, o minuto de duração, ora, na indução verifica-se uma alteração deste padrão, com contracções mais prolongadas, podendo ultrapassar o minuto e meio de duração, enquanto que se verifica menor espaço de tempo entre as respectivas contracções (observam-se com frequência uma contracção em cada 2 minutos), o que dá uma imagem gráfica de inversão do traçado. Logo, se com menos tempo disponível para que se processe a recuperação útero-fetal, associado às contracções mais duradouras, podemos então imaginar o quanto este processo por si só é violento e agressivo. Se para a mãe, quando castrada nas suas competências, através do bloqueio epidural, passa a suportar esta fase com alguma facilidade, porque não tem o estimulo sensorial de dor (não tiraram a dor, bloquearam a transmissão desse mesmo estímulo, e outros, por inerência, o que dá a percepção de ausência de dor), já o feto é vítima de uma agressividade física sem limites. Se não vejamos, pelo facto dos intervalos de tempo entre contracções ser manifestamente insuficiente para recuperar, é-lhe também suprimido ou diminuída a quantidade de oxigénio e nutrientes necessários para as suas funções vitais (um útero contraído não permite que se efectue as trocas gasosas e nutritivas ao nível da placenta na exacta medida que cada contracção estrangula por um lado os vasos que fazem chegar o sangue materno e por outro os vasos que levam o sangue ao feto), pelo que é facilmente levado ao completo esgotamento de todas as suas reservas, o que o faz entrar na fase designada por sofrimento fetal. Por aqui se consegue perceber da necessidade imperiosa de haver sempre um neonatologista por perto, porque um bebé esgotado não consegue e nem é capaz de fazer uma boa adaptação à vida extra-uterina o que exige por isso, muitas vezes, a execução das manobras de reanimação neonatal. Se a isto se associar a dor que possa ter, devido à colocação de uns fórceps, ou ventosa ou até de ambos, não temos, assim, a capacidade de imaginar o sofrimento que este delicado ser é vítima quando da saída do ventre de sua mãe.
Fazendo uma ligação a outra reflexão anterior, a epidural, assim se explica melhor e de forma fácil os 70% de partos distócicos das nossas maternidades (ventosas, fórceps e cesarianas), o que não se consegue explicar é o sofrimento atroz que cada mulher passa consequência das contracções violentas que se lhe impõem, primeiro pela acção das prostaglandinas e depois através das perfusões ocitócicas (soro com ocitocina) e também não se consegue explicar, porque não está quantificado ainda, o nível de sofrimento que o feto passa, assim como as consequências a curto, médio e longo prazo quer para o bebé pela instrumentalização do parto, quer para a mãe como consequência igualmente da instrumentalização do parto, da episiotomia efectuada ou da ferida cirúrgica abdominal fruto de uma cesariana.
Assim a consequência de um acto que muitas vezes tem como argumentação "o dar uma ajudinha para o bebé nascer" ou "pronto já chega de gravidez", pode-se transformar por um lado num dos piores momentos e vivências para a mulher que deseja ter uma experiência maravilhosa com o nascimento do seu filho e por outro, para o bebé, é vitima de uma agressividade desmesurada. Podemos assim compreender a natureza das verdadeiras histórias de terror e de pesadelo relatadas por inúmeras mulheres quando revivem mentalmente os seus partos.
Hoje conhecem-se formas naturais de induzir um trabalho de parto e parto, sem recurso a drogas violentas, estão descritos mecanismos pelos quais se pode desencadear este processo, porque não, então, utilizá-los?
O parto humanizado tem como base o não recurso a agentes terapêuticos como coadjuvantes do processo de nascimento, assim como respeita a fisiologia e o tempo de nascimento, por isso se explicam as tão baixas taxas de problemas materno/neonatais a quem opta por esta alternativa.
Num parto em casa é proibido o uso destes agentes em qualquer fase do trabalho de parto e parto, excepto em caso de hemorragias severas pós-parto. Só que aqui, não funcionam como indutores, mas sim como estimulantes do tónus uterino, em úteros com dificuldade em se contrairem, evitando, assim, as hemorragias puerperais.
Dá que pensar não dá?

quinta-feira, 21 de junho de 2007

desculpem-me mas venho em breve

Tnho como principio em cada reflexão que faço e coloco neste espaço, que seja um complemento de saberes e de conhecimentos, exactamente para poder dignificar quer o espaço em si quer também o teor e conteúdo das mensagens em questão nesta área temática.
Neste sentido, sei que estou a demorar com uma nova reflexão. Por isso venho pedir a vossa compreensão e tambêm alguma paciência porque estou a reunir informação e complementação cientifica para a próxima reflexão que irá sair muito em breve.
O tema é a indução do trabalho de parto e parto.
Até breve

domingo, 10 de junho de 2007

Porquê?

Sei que já não escrevo há algum tempo, mas tudo tem a ver com a dificuldade em ter um tempo para poder assentar as ideias.
Para hoje trago uma interrogação que eu próprio gostava de ter a resposta.
Sabemos que o papel da mulher veio-se modificando ao longo dos tempos, ao ponto de que o seu status social diminuiu de forma considerável com os tempos. Fruto de um crescente modelo patriarcal, à mulher foi-lhe reduzido o seu papel de interferência social, cultural e até familiar. A questão da importância do filho varão era, e em alguns casos ainda é, de extrema importância. E a mulher? Apenas quase que se lhes reconheceu o papel de reprodutora e de continuidade da família. Daí e até hoje relativamente a práticas sociais associadas à maternidade como processo, só se conhecem ritus de fecundidade e de procriação ligados à mulher e nunca ao homem, só se conhecem as referências de veneração a objectos de carácter fálico e não ginecoide e só se conhecem a importância do consumo de determinadas ervas e chás para ajudar a engravidar e nunca para o homem ser fértil. E caso a mulher engravide, existem os milhares de ritus ligados à gravidez, para a mulher conseguir levar essa gravidez até ao fim sem problemas e por isso não passar a ser considerada um elemento abominável e desprezível dentro da família que nem ter filhos consegue ter. Enfim, são muitas e variadas as pressões que se exercem sobre a mulher definhando o seu papel ao de mera reprodutora.
Hoje, começa-se a assistir a uma inversão desta situação. A mulher finalmente começa a despertar, com um papel de maior intervenção social, apoiadas por movimentos de emancipação da mulher e assim ela tem conseguido readquirir o seu forte papel social e familiar.
Contudo há questões que me deixam um pouco perplexo e sem explicação. É o facto de ela se entregar de forma gratuita às decisões de outros que nada tem a ver com ela e/ou sua família. Será que não está na altura de ver o filme ao contrário do que o vêm actualmente? Será que um estranho tem mais amor e consideração pela mulher do que o companheiro que está com ela todo o tempo, vive as alegrias e tristezas, a felicidade e a amargura da vida? Será razoável não se tornarem mais conscientes para tomadas de decisão relativamente a actos ou procedimentos que possam ter implicação directa com a sua pessoa ou com a sua saúde?
Todos sabemos que o meio hospitalar é um meio amorfo e estranho a cada um de nós, que choramos quando vislumbramos a ideia de ter de ir para lá. Todos sabemos que deixamos de ser pessoas para sermos números quando vamos para lá. Todos sabemos que passamos a ser um elemento de diagnóstico e de terapêutica e não de pessoa na sua vertente holistica. Todos sabemos que existem normas e protocolos pelos quais nos devemos agir, até porque é a única forma de eles saberem trabalhar e de poderem trabalhar. Todos sabemos que quando para lá vamos não podemos ou devemos ter opinião mas sim somos fruto de opiniões. Todos sabemos que há actos médico-cirúrgicos com forte possibilidade de nos infligir coisas para o resto da vida. Todos sabemos que lá se acredita muito mais na força da máquina e do medicamento do que na força e na capacidade humana. Todos sabemos que há forças de interesse dentro do meio hospitalar e que se servem de nós para se sobressaírem. Todos sabemos que há muita gente interessada em aprender e por isso sujeitam as pessoas a exames e testes para beneficio próprio. Todos sabemos que quando entramos num hospital passamos a ser um ser assexuado que se queixa de algo, e assim é tratado como tal. Todos sabemos que há baterias de pessoas que rodeiam a "doente" interessando-se fundamentalmente sobre a patologia e não sobre a pessoa. Todos sabemos que temos de ter um comportamento adequado à instituição para não sermos rotulados de marginais e para não sofrermos com as desagradáveis incorrecções e desrespeito como forma de punição a quem ousou dizer um não ao poder instituído. Todos sabemos que ficamos acorrentados com medo de que eles se enganem ou procedam de forma incorrecta, fria e distante.
Então porquê? Conseguem dar-me uma resposta? Porque é que as mulheres se submetem a este sistema? Porque se deixam manipular de forma gratuita? Porque é que não conseguem dizer basta? Porque é que não começam a pensar ao contrário?
Sabe-se que o parto em casa hoje é mais seguro (2% de problemas em casa em relação a 70% de partos distócicos (ventosas, forceps e cesarianas) e a 98% de episiotomias nos hospitais/maternidades), e respeitador deste momento do que o parto hospitalar então porque é que não se pensa primeiro por esta via? Se considerarmos que o companheiro/marido é muito mais respeitador e compreensivo para com a mulher, assim como deseja ser um elemento mais activo no processo do nascimento do seu filho, então porque é que não se começa a pensar por esta via? Se em casa podemos alimentar, deambular, ter os nossos cheiros e a luz que pretendemos, porque é que não se começa a pensar por esta via? Se em casa se pode ter o acompanhamento profissional de um profissional obstetra e de uma doula que dão segurança e apoio a este evento, então porque é que não se começa a pensar por esta via? Se considerarmos a atmosfera e o ambiente muito mais tranquilo em casa e favorecedor de óptimas experiências e vivências, então porque é que não se começa a pensar por esta via? Se sabemos que há métodos naturais e muitíssimo eficazes de alivio da dor sem recurso a drogas ou técnicas invasivas cheias de riscos e de desvantagens, então porque é que não se começa a pensar por esta via?
PORQUÊ mulheres? Porque é que se entregam com essa facilidade a um mundo que vos é terrivelmente hostil e cheio de armadilhas?
Dá que pensar não dá?