domingo, 10 de junho de 2007

Porquê?

Sei que já não escrevo há algum tempo, mas tudo tem a ver com a dificuldade em ter um tempo para poder assentar as ideias.
Para hoje trago uma interrogação que eu próprio gostava de ter a resposta.
Sabemos que o papel da mulher veio-se modificando ao longo dos tempos, ao ponto de que o seu status social diminuiu de forma considerável com os tempos. Fruto de um crescente modelo patriarcal, à mulher foi-lhe reduzido o seu papel de interferência social, cultural e até familiar. A questão da importância do filho varão era, e em alguns casos ainda é, de extrema importância. E a mulher? Apenas quase que se lhes reconheceu o papel de reprodutora e de continuidade da família. Daí e até hoje relativamente a práticas sociais associadas à maternidade como processo, só se conhecem ritus de fecundidade e de procriação ligados à mulher e nunca ao homem, só se conhecem as referências de veneração a objectos de carácter fálico e não ginecoide e só se conhecem a importância do consumo de determinadas ervas e chás para ajudar a engravidar e nunca para o homem ser fértil. E caso a mulher engravide, existem os milhares de ritus ligados à gravidez, para a mulher conseguir levar essa gravidez até ao fim sem problemas e por isso não passar a ser considerada um elemento abominável e desprezível dentro da família que nem ter filhos consegue ter. Enfim, são muitas e variadas as pressões que se exercem sobre a mulher definhando o seu papel ao de mera reprodutora.
Hoje, começa-se a assistir a uma inversão desta situação. A mulher finalmente começa a despertar, com um papel de maior intervenção social, apoiadas por movimentos de emancipação da mulher e assim ela tem conseguido readquirir o seu forte papel social e familiar.
Contudo há questões que me deixam um pouco perplexo e sem explicação. É o facto de ela se entregar de forma gratuita às decisões de outros que nada tem a ver com ela e/ou sua família. Será que não está na altura de ver o filme ao contrário do que o vêm actualmente? Será que um estranho tem mais amor e consideração pela mulher do que o companheiro que está com ela todo o tempo, vive as alegrias e tristezas, a felicidade e a amargura da vida? Será razoável não se tornarem mais conscientes para tomadas de decisão relativamente a actos ou procedimentos que possam ter implicação directa com a sua pessoa ou com a sua saúde?
Todos sabemos que o meio hospitalar é um meio amorfo e estranho a cada um de nós, que choramos quando vislumbramos a ideia de ter de ir para lá. Todos sabemos que deixamos de ser pessoas para sermos números quando vamos para lá. Todos sabemos que passamos a ser um elemento de diagnóstico e de terapêutica e não de pessoa na sua vertente holistica. Todos sabemos que existem normas e protocolos pelos quais nos devemos agir, até porque é a única forma de eles saberem trabalhar e de poderem trabalhar. Todos sabemos que quando para lá vamos não podemos ou devemos ter opinião mas sim somos fruto de opiniões. Todos sabemos que há actos médico-cirúrgicos com forte possibilidade de nos infligir coisas para o resto da vida. Todos sabemos que lá se acredita muito mais na força da máquina e do medicamento do que na força e na capacidade humana. Todos sabemos que há forças de interesse dentro do meio hospitalar e que se servem de nós para se sobressaírem. Todos sabemos que há muita gente interessada em aprender e por isso sujeitam as pessoas a exames e testes para beneficio próprio. Todos sabemos que quando entramos num hospital passamos a ser um ser assexuado que se queixa de algo, e assim é tratado como tal. Todos sabemos que há baterias de pessoas que rodeiam a "doente" interessando-se fundamentalmente sobre a patologia e não sobre a pessoa. Todos sabemos que temos de ter um comportamento adequado à instituição para não sermos rotulados de marginais e para não sofrermos com as desagradáveis incorrecções e desrespeito como forma de punição a quem ousou dizer um não ao poder instituído. Todos sabemos que ficamos acorrentados com medo de que eles se enganem ou procedam de forma incorrecta, fria e distante.
Então porquê? Conseguem dar-me uma resposta? Porque é que as mulheres se submetem a este sistema? Porque se deixam manipular de forma gratuita? Porque é que não conseguem dizer basta? Porque é que não começam a pensar ao contrário?
Sabe-se que o parto em casa hoje é mais seguro (2% de problemas em casa em relação a 70% de partos distócicos (ventosas, forceps e cesarianas) e a 98% de episiotomias nos hospitais/maternidades), e respeitador deste momento do que o parto hospitalar então porque é que não se pensa primeiro por esta via? Se considerarmos que o companheiro/marido é muito mais respeitador e compreensivo para com a mulher, assim como deseja ser um elemento mais activo no processo do nascimento do seu filho, então porque é que não se começa a pensar por esta via? Se em casa podemos alimentar, deambular, ter os nossos cheiros e a luz que pretendemos, porque é que não se começa a pensar por esta via? Se em casa se pode ter o acompanhamento profissional de um profissional obstetra e de uma doula que dão segurança e apoio a este evento, então porque é que não se começa a pensar por esta via? Se considerarmos a atmosfera e o ambiente muito mais tranquilo em casa e favorecedor de óptimas experiências e vivências, então porque é que não se começa a pensar por esta via? Se sabemos que há métodos naturais e muitíssimo eficazes de alivio da dor sem recurso a drogas ou técnicas invasivas cheias de riscos e de desvantagens, então porque é que não se começa a pensar por esta via?
PORQUÊ mulheres? Porque é que se entregam com essa facilidade a um mundo que vos é terrivelmente hostil e cheio de armadilhas?
Dá que pensar não dá?

10 comentários:

barbarayu disse...

É bem verdade, caro amigo...
E eu não sei que dizer... também não tenho a resposta...
Pela (ilusão de) segurança? Como (falso) refúgio de todos os medos que nos impingem durante toda a gestação bem como durante toda a nossa vida na condição de mulheres?

Tenho esperança que, nós, Mulheres, estejamos a despertar... ainda que aos poucos...

Um abraço

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Por ignorância e por medo.

Uma mulher bem informada e com o devido suporte, JAMAIS se entregaria ao sistema.

Uma mulher que já viveu a experiência de dar à luz LIVREMENTE, também não se entrega mais.

Portanto, quando menos informação e quanto menos oportunidades dessas existirem, melhor para o sistema. Porque o sistema QUER uma mulher entregue, rendida, controlável.

Uma mulher livre e destemida é uma "Iara" deveras perigosa.

Mudando de assunto: é verdade que inaguraram o parto na água esse final de semana em terras lusas?

Beijos, muito beijos!

Waleska Nunes

Patrícia Soares disse...

Desde que vi e ouvi a presentação da Humpar no Congresso da Maternidade Júlio Dinis que tenho vindo visitar este blog e que me tenho informado acerca do parto em casa...
Em relação a este post, acho que muitas mulheres não têm o auto-conhecimento de si próprias e a auto-confiança necessária para ter uma escolha destas. Por outro lado este método ainda não é muito conhecido e, claro não é colocado em questão nos nossos serviços de saúde... Sou enfermeira e gostaria de poder informar melhor as grávidas que acompanho acerca do parto em casa e das tomadas de posição que podem ter, no entanto também não sei bem como informar e aconselhar, pois na minha área geográfica de trabalho não tenho conhecimento que existam Doulas ou enfermeiros obstretas que façam o parto em casa... Já agora se me puder ajudar nesta matéria...

Patrícia Soares

Andrea disse...

Porque muitas vezes não há outra hipótese. Porque não temos ninguém que nos apoie, porque, porque, porque....
Quando engravidei da minha primeira filha, fiquei sempre com a ideia de que gostaria de parir em casa, precisamente para fugir a tudo o que foi dito aqui. Não encontrei apoio e também confesso que não me sentia confiante o suficiente para levar essa decisão para a frente e procurar quem me pudesse ajudar. Começo agora a perceber que poderá não ser assim tão complicado, mas hoje, depois de ter passado por dois partos normais, tranquilos e bem sucedidos tenho outra força e outra confiança que outrora não tinha. E muitas das vezes a culpa é mesmo dessa falta de confiança em nós, mulheres, causada obviamente pela sociedade actual. O parto é visto como uma "coisa" que tem de ser, dolorosa e horrivel, que tem de acontecer e não como um momento vibrante e único. A minha opinião só mudou depois de parir.

Familia Antunes disse...

É Verdade... no ultimo dia 08 nasceu em nossa casa um ser que lhe demos o nome de Diana. Esse ser é a nossa filha, nasceu numa piscina no meio da sala. Foi a experiência mais maravilhosa que alguma vez tivemos. Podemos-nos considerara preveligiados, tivemos o poder de Deus. Existe muito poucos Enfermeiros(as) Obstetras que façam em casa mas, o nosso é o melhor que poderiamos ter, bem como a Doula que assistiu.

Familia Antunes disse...

Mulheres de Portugal, procurem, informem-se, existe tanta informação. O minimo que posso fazer é relatar o meu testemunho. A Minha mulher depois de se informar bastante, convenceu-me da possibilidade de ter em casa a nossa 2ª filha. Na altura (2 meses de gravidez) apenas lhe disse que,se ela achava que era o queria só tinha que apoia-la. No entanto, ela sabendo que sou um cientifico e que gosto de saber o porque...fomos até ao centro de Portugal falar com o Nosso Enfermeiro Obstetra. Aí sim, foi onde tudo mudou! Ele explicou cientificamente todo o processo de nascimento de um bébe, onde inclui desenhos e bonecos. Onde falou de ocitocinas, endomorfinas, epidorais, episiotomia (mais conhecida pela mutilação vaginal), fórceps, ventosas (obrigado pela nodoa negra), cesarianas e outros nomes estranhos. E peguntam! Ah e tal e o risco..? Depois disto... o risco está no Hospital, o risco da mãe não poder sair da posição deitada, o risco da efermeira pedir para fazer força depois de levar com uma epidoral onde perde a sensibilidade, risco da mãe ser considerada uma mera doente, risco de ouvir "...a faze-lo não gritou assim!", o risco de ser cortada, o risco do meu bébe nascer violentamente por uma cesariana, risco da enfermeira não pôr logo no colo da mãe o bébé, risco de lhe darem suplementos sem nos avisar, o risco de lhe dar uma chupeta sem nos perguntar, já nem falo de mim, que me senti apenas um mero moço de recados("Agora agarre no bébé, já chega..";"Agora vá buscar a roupa do bébé...";"Agora pague..."). Claro que também perguntei ao Obstetra a pergunta tipica de um ignorante na matéria.. "E se Houver complicações?" Nem eu sabia que complicações é que podia haver. Onde houve a resposta obvia "Eu nunca deixarei que um parto seja feito em casa, se não houver condições para tal.
Bem só vos tenho a dizer, não estou nada arrependido de a ter apoiado, arrependido ficava se a minha mulher não o tivesse decidido, quer por mim, mas mais por ela, tenho a certeza que ela se sente uma mulher realizada.
Informem-se, procurem, investiguem, hoje em dia é tão fácil, contra mim falo.
Esqueci-me de referir alguns riscos em casa, inundação e ter que alimentar gente faminta (Onde me incluo).
Um abraço desde pai babado

Parto em casa disse...

Patricia:

é muito fácil participar e partilhar desta visão do nascimento humanizado.
O que lhe peço é que entre em contacto com o email e deixe o seu contacto para lhe responder e se abrir essa porta que tanto fala.
Assim como faço uma vez mais o apelo a todas as pessoas que entram neste Blogue e que queiram contactar com um profissional obstetra humanista que pode ajudar é tb, igualmente mande um email para bem.nascer@gmail.com e deixe o seu contacto para que possa entar em contacto e ajudar a encontrar a solução.

Bem-hajam

Patrícia Soares disse...

Parabéns Família Antunes!

Saúde Materna - Centro de Saúde da Feira disse...

Um anónimo visitou-nos e indicou este blog, apesar da hora tardia, não resistimos, mas já o conhecíamos!
Parabéns pela sua coragem, todos sabemos que não é fácil e a culpa é nossa que não soubemos assumir a nossa autonomia profissional, as nossas grávidas apenas pagam os nossos erros...
No "MIlagre de Vida" procuramos desmistificar medos e preparar para o parto normal.